domingo, 19 de maio de 2013

Um fluxo de sangue para a cabeça

André acordou, ainda atordoado. Não se deu conta de onde estava, a princípio. Na realidade, ao olhar em volta, não reconheceu o lugar. Depois de alguns segundos consciente, sentiu a dor de estar pendurado pelos pulsos sem poder ficar de pé, pois estava acorrentado nas mãos e nos pés, com seus braços na posição vertical e suas pernas ligeiramente dobradas, sem forças para sustentar o peso do próprio corpo. Percebeu também que estava nu.
Estava em algum tipo de masmorra ou calabouço. Não era muito grande. Ele estava acorrentado bem no meio do cubículo, podendo ver somente o que estava à direita, à esquerda e à frente. Não havia janelas. A única iluminação vinha de quatro tochas distribuídas pelos quatro cantos do aposento. Havia também uma porta de madeira já muito gasta defronte a André. Notou uma mesa com vários instrumentos estranhos encostada na parede à esquerda. As paredes da sala eram de pedra, dando ao lugar um aspecto frio e sombrio. 
Alguns minutos depois, a porta se abriu. Dela entrou um homem vestindo uma roupa cirúrgica, uma máscara, luvas e um óculos de proteção. Suas mãos e seus pés estavam brancos e seus olhos ostentavam uma expressão séria, beirando a morbidez. Fechou a porta num gesto quase cerimonial e ficou parado ali com a mão na maçaneta. Ficou de cabeça baixa e não a levantou para olhar André quando este o chamou. 
- Ângelo...
A voz de André era suplicante, quase como um sussurro. Ângelo não se mexeu. Apenas disse, com voz firme:
- Tem certeza de que quer continuar com isso?
André não respondeu de imediato. Lembrou-se então de quem era, do que estava fazendo ali e que lugar era aquele. 

Agora eles estavam ali, prontos para terminar o que haviam começado. André havia quase morrido por exaustão umas três vezes. Achara, de fato, que não iria conseguir chegar ao fim daquilo, mas lá estavam eles. Reuniu todas as suas forças para dizer:
- Ângelo, por favor... eu não quero mais!
- Desculpe, André. Tenho uma promessa a cumprir - disse Ângelo, finalmente levantando a cabeça e soltando a mão da maçaneta.
Ângelo andou até a mesa com os instrumentos e começou a manuseá-los de costas para o amigo acorrentado. André o observava, suplicando:
- Ângelo, não! Eu já estou curado! Não é preciso ir até o fim!
- Você me disse que seria preciso ir até o fim, lembra-se? - respondeu Ângelo, sem se virar.
- Eu... mudei de ideia! Por favor, não vou aguentar!
- É para o seu bem - disse Ângelo, virando-se.
- O... o que é isso? - perguntou André, desesperado.
- Isso vai doer, André.

Ângelo pegara um quebra-nozes. Ergueu-o, como que o examinando meticulosamente, antes de olhar para a cabeça pendente de André. Hesitou por um segundo e lembrou-se da promessa feita. André pagaria caro quando tudo aquilo terminasse por ter feito ele fazer aquilo. Subiu num banco de madeira que tirara de trás de André e agarrou suas mãos e erguendo o indicador, quebrou-o com o quebra-nozes. André gritou novamente.
- Pare, por favor!
Sem responder, Ângelo ergueu o outro indicador e quebrou-o também. Outro grito. Fez isso com todos os dedos das mãos de André. A voz do amigo ia perdendo intensidade a cada grito. Ângelo achou que André deveria ter desmaiado logo quando começou, porém este aguentou cada segundo.
Em seguida, olhando para os olhos suplicantes do amigo, pegou um prego na mesa ao lado. Sem piedade, espetou vários pontos do corpo de André. O sangue escorria enquanto este gritava a cada furada.
- Vou morrer de hemorragia! - gritou André.
- Talvez.
- Pare!
Ângelo parou, mas porque já havia aberto furos suficientes. Virou-se para pegar outro instrumento. Enquanto o fazia, ouviu os gemidos e lamentos de André e sentiu pena. Até onde ele havia se disposto a chegar para superar outra dor...
- Ângelo, pare!
- Você vai conseguir.
Ângelo se virou e se dirigiu até André. Colocou-lhe um saco em sua cabeça, deixando-lhe impossibilitado de respirar. Bateu-lhe na barriga com um taco de golfe uma vez. André se contorceu até onde as correntes o permitiam, sem gritar. Ângelo lhe bateu nas costas. Mais uma contorção. Tirou o saco e André engoliu o ar com força.
- P... pare - disse ele, de cabeça baixa.
Ângelo cobriu-lhe a cabeça com o saco novamente. André tentou protestar com gritos, mas foi inútil. Mais batidas com o taco. Ângelo notou que os pulsos e os pés do amigo sangravam agora. Seria prudente soltá-lo? Decidiu que não. Liberou André do saco e pôs-se a preparar outro instrumento.
- Não! - disse André, fraco demais para gritar.
- Estamos quase acabando.
Com movimentos vagarosos, Ângelo pegou o que parecia ser um controle remoto com dois botões, um vermelho e um preto. Ligou dois fios de bateria de carro nos mamilos de André. Ainda muito devagar, apertou o botão vermelho. Nada aconteceu. Em seguida, girou lentamente o botão preto. Um choque leve no peito de André foi aumentando de intensidade à medida que Ângelo ia virando o botão. Ele urrava de dor.
Ângelo se perguntou se a dor que sentia por ver o amigo sofrer não se comparava de fato à que o amigo sentia. Era preciso mesmo fazer tudo aquilo? Girou o botão preto à posição inicial e apertou novamente o botão vermelho.
- Vai terminar agora - disse ele.
André estava pendurado, inerte. Já não gritava, não gemia. Não sentia mais nada. Desejava que tudo parasse. Foi quando Ângelo pegou uma seringa na mesa e virou-se para encarar o amigo.
- Está pronto?
André conseguiu apenas acenar com a cabeça.

Os olhos de André viraram para cima até que se via apenas a esclerótica. Sua boca abria-se até o limite, descontrolada. Todos os músculos de seu corpo se contraíam. A dor vinha de cada centímetro do seu corpo, enquanto o veneno circulava em suas veias e artérias. Enquanto urrava de dor e seus membros fugiam-lhe do controle, o peso de seu corpo inerte fazia doer ainda mais seus pulsos, que o sustentavam quase de joelhos. Um fluxo de sangue subiu para sua cabeça e ele cedeu. Em seu devaneio, lembrou-se da última conversa que tivera com Ângelo.

- Você me promete que fará tudo o que for preciso? - perguntara.
- André, eu não sei se é uma boa ideia... - dissera Ângelo.
- Você quer que isso tudo termine, não é? Eu preciso de você para me ajudar com isso. Só você pode fazer o que é preciso.
- Eu não gosto dessa ideia. Você é meu amigo. Não quero fazer isso com você. Você irá sofrer.
- Vou sofrer mais se não fizer. Por favor. Tem que me prometer que não irá parar em momento algum, se eu gritar ou pedir para que você pare, ou até mesmo pedir para que me mate - suplicara André.
- Tem certeza que vai dar certo? - perguntara Ângelo, parecendo ainda desconfiado e indeciso.
- Sei que vai ser uma dor inimaginável, mas no final tudo ficará bem melhor.
- E se algo de ruim acontecer?
- Teremos ao menos tentado nossa última alternativa.

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